Justiça de SP reconhece vínculo de emprego na Uber
- Capuchinho Advocacia e Consultoria

- 22 de jul. de 2018
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Em decisão inédita, a Justiça Trabalhista de São Paulo reconheceu o vínculo de trabalho entre a Uber e um motorista. Ao todo, a empresa foi condenada a pagar R$ 80 mil ao motorista, incluindo aviso prévio, décimo terceiro salário, férias com acréscimo de um terço, FGTS e compensação por dano moral. O juiz substituto Eduardo Rockenbach Pires, da 13ª Vara do Trabalho de SP, citou as relações sociais capitalistas ao decidir que o trabalho do motorista era prestado de forma subordinada na geração de mercadoria – no caso, o serviço de transporte -, cuja circulação propicia o lucro à empresa. Além disso, o juiz considerou que o preço do serviço final é estabelecido unilateralmente pela Uber, cabendo ao motorista apenas a um percentual do valor total da corrida. “A ré [Uber] presta serviços de transporte aos consumidores (que são os passageiros), lançando mão do trabalho humano prestado pelos motoristas. Não é correto, portanto, dizer que os motoristas são clientes da ré; eles não são clientes, são trabalhadores que despendem energia em prol da atividade lucrativa da empresa”, diz trecho da sentença. Leia na íntegra Alegações No caso, o motorista acionou a Justiça contra a Uber do Brasil, a Uber Internacional e a Uber Internacional Holding pedindo a declaração da relação jurídica de emprego e o pagamento de verbas trabalhistas, no total de R$ 62.531,00. O faturamento médio mensal do motorista era de R$ 5.927,14. O autor da ação sustentou que o pagamento pelo serviço da Uber é feito pelo passageiro e que a empresa repassa ao motorista o valor, com retenção de uma taxa de 25 a 30%. Além disso, argumentou que é preciso formalizar um contrato de adesão para iniciar a prestação de serviços e que a Uber exige a contratação de seguro em benefício dos passageiros. Sustentou ainda que o contrato de adesão é redigido de forma a induzir a conclusão de que o objeto não é o de fornecimento de serviços de transportes, mas sim o fornecimento de tecnologia de internet. Porém, segundo ele, os elementos da relação de emprego são visíveis durante a execução do contrato, especialmente porque a empresa fixa os preços conforme sua autodeterminação. Para o motorista, as avaliações recíprocas de passageiros e motoristas, e também cobranças por parte da Uber, seriam “elementos que concretizariam o poder disciplinar de empregador”. Do outro lado, a Uber sustentou que a relação jurídica entre as partes não era de emprego. O argumento foi de que a empresa não explora serviços de transportes, e sim a plataforma tecnológica de mediação entre passageiros e motoristas. Além disso, a empresa afirmou que não possui frota de veículos, e não contrata motoristas, seja na condição de empregados ou na condição de autônomos. Sustentou ainda que os clientes da Uber não são os passageiros, mas sim os motoristas-parceiros, a quem ela emite notas fiscais da prestação de serviços. A Uber argumentou ainda que a prestação de serviços de transporte é mantida entre o motorista e o passageiro e que os motoristas não precisam atuar exclusivamente com uma plataforma, podem atender a todas segundo sua decisão pessoal. São os próprios motoristas, alegou a empresa, que decidem quando, onde e em que horário irão atender seus usuários. Relação de trabalho Em longa decisão, o juiz substituto Eduardo Rockenbach Pires rebateu os pontos sustentados pela Uber e ressaltou que o produto principal da empresa é o transporte de passageiros e não a ferramenta eletrônica. “Não é verdade que o produto explorado pela empresa é meramente a ferramenta eletrônica, o aplicativo oferecido aos motoristas. A ré oferece no mercado um produto principal: o transporte de passageiros. O aplicativo é um instrumento, um acessório ao bom funcionamento do serviço. E os consumidores do produto da ré não são os motoristas, mas sim os passageiros”, afirmou. “Não é por outra razão que é da ré (e não do motorista) o poder fundamental de quantificar o valor na circulação da mercadoria. É a ré que fixa o preço do serviço de transporte que o passageiro irá pagar”, concluiu. O juiz ainda citou regras do direito positivo brasileiro sobre relação de emprego que conceituam o empregador e o empregado para cravar que a relação existente entre a Uber e seus motoristas é uma relação de trabalho. “A ré presta serviços de transporte aos consumidores (que são os passageiros), lançando mão do trabalho humano prestado pelos motoristas. Não é correto, portanto, dizer que os motoristas são clientes da ré; eles não são clientes, são trabalhadores que despendem energia em prol da atividade lucrativa da empresa”. Decisões divergentes Em fevereiro, a 33ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte reconheceu, pela primeira vez, o vínculo empregatício entre um motorista e a Uber. O juiz considerou que a narrativa da Uber de que os motoristas têm flexibilidade e independência para utilizar o aplicativo e prestar seus serviços quanto e como quiserem “sobrevive apenas no campo do marketing” Dias antes, a decisão da 37a Vara do Trabalho de BH havia sido no sentido contrário ao não reconhecer o vínculo de emprego entre um motorista e a empresa. O entendimento do juiz substituto Filipe de Souza Sickert foi de que a “mera existência” de obrigações a serem seguidas pelo motorista, como adequar-se à seleção de carros da Uber e às exigências quanto a exames no Detran e ao seguro passageiro, não caracteriza a subordinação jurídica. Livia Scocuglia – Repórter de tribunais superiores (STF, STJ e TST)








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